Ele nasceu perto de Lyon em 1772 e não se sabe nem se Tarrare era seu nome verdadeiro ou apenas um apelido. Desde criança ele tinha um apetite enorme, principalmente por carne, e na adolescência conseguia comer quase o seu próprio peso em um dia. Nesta época seus pais, que não tinham como sustentar o filho glutão, o colocaram para fora de casa.

Ele viajou por alguns anos pelo interior da França num bando de prostitutas e ladrões, mendigando e cometendo pequenos furtos. Aos poucos percebeu que podia atrair um considerável número de pessoas nas ruas mostrando suas habilidades. Tarrare comia rolhas, pedras, animais vivos e uma cesta cheia de maçãs, uma por uma. Não comia a cesta, mas devorava as maçãs inteiras. Em 1788 ele se mudou para Paris para trabalhar como artista de rua.

Mesmo comendo deste jeito Tarrare tinha uma constituição modesta. Aos 17 anos ele pesava apenas cerca de 45kg. Ele era descrito como tendo cabelo loiro, uma boca muito grande, lábios muito finos e dentes muito manchados. Seu corpo era muito quente ao toque e suava bastante e constantemente. Se ficasse muito tempo sem comer a pele do seu abdômen podia ser puxada e passada em volta da sua cintura, já quando saciado ela ficava inflada como um balão. Sua face tinha pele enrugada e também solta. Era capaz de colocar e manter meia dúzia de ovos ou de maçãs na boca. Lembro que naquela época, sem as tecnologias agrícolas de hoje, as maçãs não deviam ser muito maiores que os ovos que também deviam ser bem menores que os nossos.

Tarrare sketchOutra de suas características marcantes era o mal cheiro. Após as refeições seu cheiro não era suportado nem a 20 passos de distância. Ele se tornava letárgico e arrotava constantemente. Tarrare sofria de diarreia crônica, que foi descrita como “fétida além de qualquer concepção”. Mesmo assim não parecia sofrer de nenhuma doença mental ou comportamento incomum além da sua habitual apatia. Era dito apresentar um temperamento completamente desprovido de força e ideias.

As causas do comportamento de Tarrare não são conhecidas. Mesmo tendo havido outros casos similares ao dele no mesmo período, como o de Charles Domerz, nenhum dos outros indivíduos foi submetido a autópsias e não há registros de casos recentes como o dele.

Quando estourou a primeira coligação Tarrare se alistou no Exército Revolucionário Francês e logo teve problemas com a quantidade das rações servidas aos soldados. Fazia qualquer negócio para conseguir algo mais, mas eventualmente sucumbiu a exaustão extrema e foi parar no hospital militar de Soultz-Haut-Rhin. Mesmo recebendo 4 vezes mais comida que os outros pacientes ele continuava faminto. Assim ele passou a patrulhar as sarjetas e depósitos de lixo, comer os restos deixados por outros pacientes, invadir a sala do farmacêutico para comer os emplastros. Os médicos não conseguiam entender o motivo do seu apetite.

Um dia, como parte de uma serie de experimentos fisiológicos que ele deveria tomar parte, foi servido a ele uma refeição suficiente para 15 pessoas. Tarrare comeu tudo e bebeu 4 galões de leite (1 galão = 3.76 litros). Noutra ocasião os médicos lhe deram um gatinho vivo, que ele imediatamente abriu com os dentes bebeu todo o sangue e comeu tudo menos os ossos, vomitando em seguida a pele e os pelos. Após este episódio foram oferecidos a ele vários tipos de animais, como cobras, lagartos e filhotes variados entre outros. Todos foram devorados. Ele também engoliu uma enguia inteira sem mastigar, mas após esmagar sua cabeça com os dentes.

Após vários meses o médico encarregado do seu caso fez uma sugestão ao general do destacamento ao qual Tarrare pertencia. Usando a sua capacidade ele poderia servir como courier de importantes informações para além das linhas inimigas. Experiências foram feitas. Deram-lhe uma caixa de madeira com documentos, que ele prontamente engoliu. Dois dias depois evacuou a caixa e os documentos estavam intactos. Assim ele poderia passar por território inimigo sem perigo dos documentos serem encontrados caso ele fosse pego e revistado.

Mesmo relutante o General de Beauharnais aceitou usar Tarrare como espião. Logo ele recebeu sua primeira missão. Ele deveria carregar uma mensagem a um coronel francês preso pelo inimigo perto de Neustadt. Foi dito a ele que a mensagem era de extrema importância, mas na verdade ela apenas pedia confirmação de recebimento e caso positivo que o coronel retornasse informações úteis sobre a movimentação das tropas inimigas.

Tarrare cruzou as linhas dos prussianos a noite, disfarçado de camponês alemão. Como não falava nada de alemão, logo atraiu as suspeitas dos locais e foi capturado próximo a Landau. Mesmo depois de ser açoitado ele não falou nada aos seus captores, portanto foi encarcerado. 24 horas depois do confinamento, morto de fome, ele cedeu e explicou todo o esquema. Os prussianos então o acorrentaram a uma latrina. Tiveram que esperar 30 horas até que Tarrare fizesse a sua parte. Quando o general prussiano viu que os documentos não valiam nada, ordenou que Tarrare fosse enforcado. Outra versão conta que esta ordem veio porque Tarrare conseguiu abrir a caixa e devorou os documentos antes dos prussianos porem suas mãos neles.

Tarrare sketch2Foi quando Tarrare já estava literalmente com a corda no pescoço que o general mudou de ideia e mandou darem-lhe uma bela surra e liberta-lo próximo as linhas francesas. Tarrare voltou ao hospital e implorou para tentarem lhe curar. Disse que aceitaria qualquer coisa. Varias tentativas esdrúxulas para os nossos padrões de entendimento foram feitas e todas falharam miseravelmente. Todas as tentativas de mantê-lo numa dieta também falharam. Quando ele não achava um jeito de escapulir e patrulhar as imediações procurando por açougues, onde comia os restos descartados pelo açougueiro. Ele ficava no hospital e tentava comer os mortos no mortuário ou beber o sangue dos que estavam fazendo sangria (técnica médica comum na época). Uma vez foi visto lutando com cachorros por um pedaço de carniça. Um dia um bebê de 14 meses desapareceu do hospital e Tarrare imediatamente virou suspeito número 1. O médico chefe não pôde ou não quis defende-lo e ele foi expulso de lá para nunca mais voltar.

Quatro anos depois, em 1798 o hospital de Soultz-Haut-Rhin foi contatado pelo hospital de Versailles. Tarrare havia dado entrada lá, muito doente e fraco. Pediu para ter com seu antigo médico e disse que 2 anos antes havia engolido um garfo de ouro que ficou preso dentro de si. Pediu para que o doutor achasse um modo de remove-lo de suas entranhas. O médico detectou que Tarrare sofria de tuberculose avançada e que nada poderia ser feito. Um mês depois começou a sofrer de diarreia exsudativa (com a presença de sangue) vindo a falecer em seguida.

Seu corpo se decompôs rapidamente, os médicos a princípio se recusaram a disseca-lo, mas por fim o fizeram no intuito de descobrir o que seria diferente nele que justificasse a sua compulsão por comida e extrema voracidade. Na autopsia descobriram que seu esôfago era absurdamente largo. Quando sua boca era aberta podia-se ver um largo canal em direção ao estômago. Seu corpo estava cheio de pus e seu fígado e vesícula biliar eram anormalmente grandes. Seu estômago também era enorme, cobria a maior parte da sua cavidade abdominal e estava coberto de úlceras. O garfo nunca foi encontrado.




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