A Versão Comum


O ser humano é culpado por muitas extinções de espécies no planeta, mas nesta história triste e inusitada, o ser humano é, no máximo, um facilitador incidental para o crime cometido por um felino. É o único caso documentado onde um indivíduo causou a extinção de uma espécie inteira.

Lyalls wren

A Cotovia-da-ilha-stephen (Traversia lyalli) era uma espécie de ave da ordem passeriforme (pássaros canoros) nativa da Nova Zelândia e agora extinta. Ela tinha 10cm de comprimento, hábitos crepusculares e plumagem marrom-oliva com uma faixa amarela no olho. Sua parte inferior era cinza nas fêmeas e amarelo-acastanhado nos machos e as penas da parte superior eram marrons. 

Mas sua principal característica era não voar. Tinha asas curtas, arredondadas e sem as penas nem os músculos necessários para alçar voo. Ela é a mais famosa dos quatro passeriformes não voadores conhecidos pela ciência, todos habitantes de ilhas e todos agora extintos. Os outros eram duas outras cotovias da Nova Zelândia (a cotovia de bico longo e a cotovia de pernas robustas) e a Escrevedeira-de-Pernas-Longas de Tenerife, uma das Ilhas Canárias, todas recentemente descobertas como fósseis e extintas na pré-história. 

Mas voltando a nossa pequena cotovia, seu flagelo começou cerca de 1.000 anos atrás com a chegada dos Maoris, povo nativo da Nova Zelândia. Até então a Cotovia-da-ilha-stephen ocorria na maioria das ilhas do arquipélago, incluindo as 2 maiores. O problema para a nossa pequena ave nem foram os Maoris em si, mas uma espécie de roedor que pegou carona com eles, o rato-do-pacífico ou kiore (Rattus exulans). Ele achou um lanche fácil e nutritivo nos ovos e filhotes pequenos da cotovia, que nidificava no chão.

Rato do pacifico

Com isso, até o séc. XIX a espécie se extinguiria em 99% do seu habitat, conservando-se apenas na pequena ilha de Stephen, a 3,2 km da costa onde não havia presença humana e nem de ratos. Como um pássaro não voador chegou a esse pedaço de rocha é fácil de explicar, a ilha passou milênios ligada a ilha principal quando o nível dos oceanos era mais baixo. Depois da última idade do gelo o nível subiu e a ilha se formou com as cotovias já habitando-a, 

Em 1892 foi construído um farol na Ilha, que fica no estreito de Cook, passagem de mar que divide a ilha norte da ilha sul, as ilhas principais do arquipélago da Nova Zelândia e rota de muitos navios e barcos. Este fato trouxe uma presença humana permanente para a ilha e selou o destino da nossa cotovia.

Stephen island

Dois anos depois, um novo faroleiro, chamado David Lyall, chegou a ilha e trouxe com ele o seu gato de estimação, chamado Tibbles. Foi este gato que, seguindo seus instintos naturais, caçou a extinção nossa pequena amiga numa questão de meses. Muitas ele trouxe ao seu tutor,  como oferenda, coisa típica de gato. Lyall chegou até a vender alguns espécimes mortos pelo gato ao barão  Walter Rothschild, um famoso ornitólogo da época que a identificou como nova espécie.

Por fim, o caso não repercutiu na época. A única notícia relativa ao ocorrido foi a disputa entre o Barão Rothschild e Walter Buller, advogado, ornitólogo e naturalista Neo zelandês, para ver qual dos dois registrara a ave, já então extinta, primeiro. O fato da ciência ter tomado conhecimento da espécie depois dela ter sido extinta não foi do interesse de ninguém. Mais bizarro ainda foi o nome da ave em inglês ser Lyall's wren (Cotovia de Lyall), em homenagem ao dono do gato que causou sua extinção. Embora ela também seja conhecida como Stephen's island wren ( Cotovia-da-ilha-stephen).




A Outra Versão


Como muitas histórias, essa também tem uma versão alternativa. Nela, ao invés de um, são vários gatos que causam a extinção da Cotovia-da-ilha-stephen. E Tibbles seria uma fêmea prenha trazida a ilha. Os outros gatos seriam os seus filhotes e descendentes. Não está claro nesta versão se a gata era do faroleiro ou se apenas criou laços com ele, já que lhe trazia espécimes. Mesmo assim Tibbles é o agente causador da extinção, já que todos os gatos envolvidos se originaram dela.




Conclusão


Este tipo de situação não é nova e nem única. Acontece até nos dias de hoje, geralmente de forma um pouco diferente. Na época do farol da ilha Stephen o ser humano estava pouco se lixando para o mundo natural. A maioria dos naturalistas mataria os últimos indivíduos de uma espécie para poder cataloga-los e tê-los empalhados em algum museu ao invés de tentar salvar a espécie da extinção. Não houve nenhuma preocupação com impacto ambiental nem dos gatos e nem dos outros animais trazidos para prover comida ao faroleiro e sua família.

Na modernidade já há um senso de preservação mais presente em várias partes do mundo. Isso ajuda mas não é o suficiente, já que o ser humano tende a ser muito auto centrado e bolar planos mirabolantes de controle biológico ou de reprodução seletiva que acabam fugindo ao controle e criando extinções ou outras pequenas catástrofes ambientais. Vou citar dois aqui do Brasil para exemplificar:

- As abelhas africanas do governo que escaparam e chegaram aos EUA alguns anos depois. O problema ambiental era que as abelhas do continente americano, antes disso, não tinham ferrão.

- Os lagartos introduzidos em Fernando de Noronha para controlar os roedores, também introduzidos pelo homem. O problema foi que os lagartos acharam bem mais fácil comer ovos das aves que nidificam nas ilhas do que caçar os ratos.





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