Esta é uma história real de um escravo que lutou contra um império. Além de nos ensinar sobre a história pouco contada do nosso continente e de um país vizinho, a saga de Lautaro também nos mostra de onde vem alguns nomes de pessoas e instituições que se tornaram razoavelmente comuns na América latina de língua espanhola. Nomes como Lautaro, Valdivia ou Colo Colo tem sua origem nessa história.   

Lautaro nasceu na localidade de Trehuaco, Região de Ñuble, no Chile,  ao sul da capital Santiago. Era filho de Curiñancu, Lonco (chefe) de uma tribo Mapuche. Até mais ou menos 11 anos de idade, viveu uma vida normal. Era o ano de 1546 e foi então que Pedro de Valdivia entrou em sua vida. Valdivia foi um lacaio de Francisco Pizarro no Peru e via no Chile a sua chance de realização como conquistador e ascensão no império espanhol.

Pedro de Valdivia

Sua  história no Chile começou em 1540. Sua missão era tornar o Chile uma colônia funcional e lucrativa. Em 1541 ele fundou a cidade de Santiago e comandou uma campanha expansionista que foi tanto bem sucedida para a coroa quanto cruel com os nativos. A conquista dos espanhóis era bem simples. Tomavam o que queriam, matavam a maioria e escravizavam o resto.

Em 1546 ele invadiu a aldeia de Lautaro, matou quase todo mundo, incluindo a família de Lautaro e o levou como escravo. Seu nome real provavelmente não era Lautaro, ficou conhecido assim por ter sido o modo como os espanhóis conseguiram pronunciar seu nome.

Lautaro se tornou um escravo passivo. Sempre obedecia, absorvia calmamente os insultos e maus tratos e fazia o que lhe pediam. Com o tempo, foi ganhando a confiança dos mestres. Também foi aprendendo calado os costumes dos espanhóis. Em especial como lidar com cavalos e táticas de guerra.

Cavalos eram desconhecidos das populações indígenas de todo o continente americano, do Alaska a Terra do Fogo. Foram introduzidos pelos Europeus. Na época de Lautaro, eles tinham acabado de chegar e davam grande vantagem na guerra aos conquistadores.

Por ser um bom aluno e aprender rápido, Lautaro galgou posições e acabou se tornando o assistente pessoal do próprio Pedro de Valdivia. Era Lautaro que preparava o cavalo de Valdivia para a batalha e, as vezes, tinha que acompanha-lo nas invasões e saques de aldeias do seu povo. Valdivia tinha uma tática particularmente cruel de desestimular rebeliões. Dentre os que eram deixados vivos, muitos tinham mãos ou pés cortados para servirem de exemplo. Lautaro assistia calmamente.

Para os espanhóis Lautaro era perfeito. Um filho de chefe totalmente doutrinado na cultura e costumes dos seus conquistadores, sempre pronto a servir o império, mesmo contra seu próprio povo. Eles o viam como um cara disposto a jogar o jogo. Nunca foi vigiado, se quisesse poderia ter fugido inúmeras vezes. Mas ele sempre escolheu ficar. Era provável que os espanhóis iriam fazer dele um líder marionete em algum momento no futuro. Mas o vento soprou para outro lado.

O escravo tímido e submisso era, na verdade, uma esponja. Absorvia tudo, conhecimento, raiva, estratégia, costumes e o que mais viesse em seu caminho. Tudo isso alimentava a única coisa que interessava a ele desde o dia que viu sua família morrer e foi levado cativo. Vingar seu povo. Para isso teria que expulsar os espanhóis das suas terras.

Um dia, Lautaro decidiu que a hora havia chegado. Numa noite ele escapuliu. Valdivia não se importou muito em perder o estimado assistente. Afinal, esse tipo de fuga acontecia com frequência. Ele só não podia imaginar o que estaria por vir.

Lautaro correu para o seu povo, que estava pronto para guerra. Ele reuniu os Loncos e explicou tudo o que viu e aprendeu. Seu talento inato para liderança e seu vasto conhecimento do inimigo fizeram todos os Loncos, até então chefiados pelo grande Colo Colo, concordarem que a hora da revolução havia chegado e que um escravo deveria lidera-los. Um ano de muito treinamento depois e os Mapuche começaram a tomar acampamentos espanhóis, um por um. Até chegar ao sítio do forte Tucapel. Esta batalha faz parte da primeira fase da guerra de Arauco, o combate prolongado entre os espanhóis e os Mapuche e seus aliados. Esta guerra definiu o Chile como país.

Valdivia, ao ouvir sobre o sítio ao forte, fez o que sempre havia feito. Reuniu seus 'caballeros', uns 40 deles, e partiu para o forte. A ideia era se juntar aos soldados do forte e esmagar a rebelião. Para ele, sua capacidade tática e estratégica superior e o fato de ser um cristão devoto e representante da coroa já serviria para garantir a vitória. Era só uma questão de ir lá busca-la. E ele foi.

Para sua surpresa, Valdivia encontrou todos mortos e o forte destruído e arrasado. Não haveriam muros para protege-los. Assim que começaram a montar acampamento para passar a noite, os Mapuche atacaram. Mesmo sendo pegos de surpresa e estando em menor número, os espanhóis aguentaram firme e fizeram os Mapuche retroceder.

Eles mal tiveram tempo de comemorar, o que para eles parecia uma vitória, e uma segunda leva Mapuche atacou. Estes vieram armados com lanças longas e redes. Eles derrubavam os espanhóis dos cavalos e os arrastavam para a floresta. Mesmo assim, os espanhóis conseguiram prevalecer e os Mapuche retrocederam mais uma vez. Desta vez não houve comemoração. Valdivia soou a retirada e os que sobraram dos seus soldados, mais ou menos a metade, começaram a se preparar para sair dali o mais rápido possível.

Captura pedro de valdivia

Neste momento Lautaro saiu da floresta e se deixou ser visto. Com ele uma terceira onda avançou e matou cada um dos espanhóis. Não há consenso de como, exatamente, Valdivia morreu. Mas todos concordam que ele viveu até após o fim da batalha e morreu em derrota e não na luta. O que é certo é que seus últimos minutos de vida pertenceram a Lautaro.

Nos meses seguintes Lautaro lutou e venceu varias batalhas, conseguindo empurrar os espanhóis para o norte, até Santiago, o portal da colonização chilena. Este passou a ser o seu objetivo. Derrubar Santiago. Na primeira tentativa ele falhou e teve que fugir com os espanhóis no seu encalço. Ele só tentaria novamente quando o grande Lonco Colo Colo descobriu que boa parte do exército espanhol estava marchando em direção as vilas remanescentes ao sul. Julgando a cidade estar enfraquecida, Lautaro deixou os espanhóis passarem e optou não ataca-los de surpresa, mas marchar em direção a Santiago.

Um nativo local, da etnia Picunche entregou a posição e intenção de Lautaro e seus guerreiros aos líderes da cidade. Eles então lançaram um ataque surpresa ao acampamento de Lautaro usando um pequeno destacamento. Assim, ganhariam tempo para avisar ao exército que marchava para o sul, que deveriam voltar. Este ataque surpresa ficou conhecido como a  Batalha de Mataquito, nela Lautaro foi morto. Sua cabeça foi cortada e exibida na praça central de Santiago.

Mas seu legado continuou como inspiração para que a revolução continuasse e mesmo além. É personagem central na grande obra  La Araucana de Alonso de Ercilla. É considerado o primeiro general chileno, já que venceu varias batalhas em guerra aberta contra um inimigo a cavalo, portando armaduras e armas de fogo. Enquanto seus guerreiros tinham apenas arco e flecha, funda e lança. O movimento sul americano de independência fundado por  Francisco de Miranda se chamou 'Logia Lautaro'. E até o jogador de futebol da seleção argentina, Lautaro Martinez recebeu seu nome em homenagem ao líder Mapuche.




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